A política de saúde brasileira é constituída como uma política social e, como tal, seus objetivos e ações se destinam aos indivíduos e às coletividades, visando bem-estar social e qualidade de vida nos mais amplos aspectos que a envolvem. As políticas sociais caracterizam-se por adotar o conceito de cidadania1 como aquele que norteará a definição de direitos e deveres nas relações Estado e Sociedade e entendem que é direito inerente ao cidadão ter garantido os serviços sociais básicos, como é direito e dever do cidadão ter uma participação ativa no acompanhamento e decisões sobre esses serviços.
Já encontramos nas concepções clássicas de cidadania (Marshall, 1976) as distinções dos direitos dos cidadãos entre: direitos civis, direitos políticos e direitos sociais. Os direitos civis caracterizam-se pela liberdade individual – liberdade de ir e vir, fé, pensamento, expressão, justiça, entre outros; os direitos políticos correspondem à participação no exercício do poder político, como autoridade política ou como eleitor; e o direito social que refere-se ao acesso ao bem-estar social, de modo a garantir a civilidade da vida. É neste último que nos deteremos, pois as políticas de proteção social no Brasil estão construídas a partir da concepção de direito social constituído, ou seja, por um sistema de bens e serviços que envolvem saúde, educação e assistência, visando efetivar o direito social do cidadão. O desenvolvimento das políticas de proteção, em todos os seus níveis, vai resultar na condição de cidadania da população.
Com o objetivo de analisarmos estes processos no campo da saúde, verificamos que os modelos de proteção social nesta área correspondem diretamente ao tipo de intervenção governamental no financiamento, na condução e regulação, dos diversos setores assistenciais e na prestação de serviços de saúde (Lobato e Giovanella, 2008). A história recente do Brasil apresenta importantes definições e avanços no campo da saúde e, conseqüentemente, na conquista dos direitos sociais. Desde a década de 1970 presenciamos vários setores da sociedade civil – estudantes, profissionais, acadêmicos, técnicos e usuários dos serviços de saúde – se posicionando a favor da unificação do sistema e da reorganização dos serviços em todos os níveis de atenção. Este movimento resultou na chamada Reforma Sanitária Brasileira que veio contribuir para os avanços alcançados nas próximas décadas.
A Constituição Federal de 1988, fruto deste processo de luta e de redemocratização, inclui a saúde como parte de um conjunto de direitos sociais e define em seu art. 194 a seguridade social como: “um conjunto integrado de ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social” (Brasil, 1988). Deste modo, universaliza os direitos sociais como condição de cidadania e amplia sua abrangência que anteriormente atingia apenas o sistema previdenciário.
A nova Constituição Federal de 1988 é um marco regulador das políticas públicas e da participação popular nas esferas governamentais, provocando atualizações nas áreas da justiça, da saúde, da educação, da assistência social, do trabalho, entre outros. Um exemplo disso são as Leis Orgânicas da Saúde, n° 8080 e 8142 de 1990, que fixam os fundamentos valorativos, organizacionais e políticos deste campo. A partir da promulgação dessas leis o sistema de saúde brasileiro passa a considerar a saúde um direito fundamental do ser humano, sendo dever do Estado executar e fiscalizar as ações para seu pleno exercício. As Leis Orgânicas em Saúde ainda dispõem sobre a responsabilidade do Estado na formulação e execução de ações que visem à redução de riscos de doenças e de seus agravos, como também reafirmam a responsabilidade de toda a sociedade – pessoas, famílias, empresas, instituições – na participação e fiscalização dessas ações. A partir dessas leis, ainda foram criados o Fundo Nacional de Saúde, composto por recursos fiscais das três esferas do governo, e o Conselho Nacional de Saúde, que garante a participação dos cidadãos na definição das políticas públicas na área.
Todos os elementos acima delineiam o novo sistema de saúde brasileiro e sua composição abrange desde cobertura e rede de serviços, até recursos econômicos, recursos humanos, tecnologias e organizações responsáveis pela execução de suas funções. Assim nasce o SUS – Sistema Único de Saúde, inspirado na nova Constituição Federal de 1988 e definido na Lei Orgânica de Saúde nº 8080 de 1990.
O novo Sistema de Saúde do Brasil
O SUS é uma nova formulação política e organizacional para o reordenamento dos serviços e ações de saúde (Ministério da Saúde, 1990). Constitui-se por um sistema único pois é válido em todo o território nacional, de responsabilidade das três esferas governamentais – federal, estadual e municipal – e é composto por um conjunto de unidades, de serviços e de ações
que interagem para um fim comum. Seguindo os preceitos da Constituição Federal, em seu art.196, o SUS deve desenvolver ações de promoção, proteção e recuperação da saúde e para tal o Estado deve promover a interlocução e a interação de suas três esferas, independente dos interesses partidários e regionais. As gestões devem priorizar e promover ações que efetivem os direitos sociais.
Para a implementação desta política definiu-se fundamentos básicos descritos por doutrinas e princípios. As doutrinas seguem os principais preceitos constitucionais que são: a universalidade, a equidade e a integralidade. A universalidade define a garantia de atenção à saúde para todo o cidadão, como direito de cidadania, e reforça o dever do Estado ao acesso aos serviços públicos de saúde. A equidade assegura ações e serviços de todos os níveis, sem barreiras ou privilégios, de acordo com a complexidade que cada caso exige. Cada cidadão tem o direito de acesso a todos os níveis de atenção à saúde. A integralidade reconhece que cada pessoa é um todo indivisível e integrante de uma coletividade, a partir da concepção de sujeito integral, biopsicossocial. Afirma que as ações de saúde, nos níveis de promoção, proteção e recuperação, não podem ser compartimentalizadas e devem configurar um sistema capaz de prestar também a assistência integral (Ministério da Saúde, 1990).
A partir desses fundamentos estabelecem-se os princípios que regem a organização do Sistema Único de Saúde e conduzem os gestores para o desenvolvimento das ações. A resolubilidade é a exigência que os serviços devem estar capacitados para resolver os problemas individuais ou coletivos até o nível máximo de competência; a regionalização e hierarquização
indicam que os serviços devem estar dispostos em uma área geográfica delimitada e que nela estejam disponíveis todos os níveis de complexidade previstos. Os serviços regionalizados permitem acesso maior aos problemas de saúde da área delimitada, favorecendo ações nos diversos níveis de atenção. Aqui são ressaltadas as ações da atenção primária como a vigilância epidemiológica e sanitária, a educação em saúde, além das ações de atenção ambulatorial e hospitalar. Para o bom cumprimento desses dois princípios anteriores conta-se com a descentralização político-administrativa, que é a redistribuição das responsabilidades quanto às ações e serviços de saúde entre os vários níveis de governo. Esta tem o objetivo de democratizar o processo decisório e aumentar a capacidade de resposta das esferas públicas (Ministério da Saúde, 1990).
O quarto princípio do SUS refere-se à importância da participação da comunidade nos processos de formulação de diretrizes e prioridades para a política de saúde. Esta participação deve se dar por entidades representativas e deve ser garantida pelo Estado por meio da constituição dos Conselhos Regionais de Saúde que prevêem representação paritária de usuários, governo, profissionais de saúde e prestadores de serviço. Outra forma de participação se dá por meio das conferências de saúde que podem ser regionais ou nacionais (Noronha, Lima e Machado, 2008).
A complementariedade do setor privado é o quinto e último princípio que norteia as diretrizes do SUS e dispõe sobre a possibilidade de contratação de serviços privados quando o setor público não puder cumprir o item da resolubilidade. Uma vez identificada tal necessidade cabe ao gestor celebrar contrato com outras instituições, respeitando, em primeiro lugar, os interesses
públicos e garantindo que ocorra a integração com os demais serviços e normas técnicas do SUS (Ministério da Saúde, 1990).
Os gestores das três esferas governamentais têm, portanto, a responsabilidade pelo planejamento, regulação, destinação de recursos, execução, integração de ações, fiscalização e avaliação da rede de serviços. A partir da deliberação dessas doutrinas e princípios se estabeleceu uma nova configuração de gestão da política pública em saúde e se consolidou um novo sistema nacional de saúde no Brasil.
O conceito ampliado de saúde proposto pela Constituição Federal, somado às formulações das doutrinas e dos princípios, resulta em uma política abrangente que supera o modelo assistencialista – centrado na doença e na espera pela demanda espontânea – em direção a um modelo de atenção integral à saúde. Este último compreende que saúde é muito mais que a ausência de doença e que para garanti-la é necessário melhorar a qualidade de vida das populações, reduzindo os riscos de doenças, seus agravos e seu cuidado integral. As ações de promoção e proteção de saúde visam à redução dos fatores de risco por meio dos estudos epidemiológicos e sanitários, como também pela avaliação das condições sócio-econômicas das comunidades. As ações de promoção abrangem a educação em saúde, os cuidados nutricionais, a adoção de estilos de vida mais saudáveis e os cuidados ambientais. O campo da proteção envolve as vacinações, os exames médicos e odontológicos preventivos, a vigilância sanitária e epidemiológica, entre outros.
O modelo de atenção integral inclui também as ações tradicionais de recuperação da saúde, compostas pelo diagnóstico, tratamento de doenças e
pela reabilitação, nos diversos níveis de complexidade de atendimento – exames, terapias, internações, intervenções cirúrgicas e reinserção social. As estratégias para cada nível de atenção são definidas a partir da análise das características regionais e devem contemplar a diversidade territorial e cultural do país.
A história recente da implantação de uma nova política em saúde, décadas de 1990 e 2000, contribuiu para revelar a complexidade das diferenças regionais e culturais de nosso país, bem como reconhecer que as gritantes desigualdades socioeconômicas dificultam o pleno cumprimento dos dispositivos constitucionais e devem ser enfrentadas de modo prioritário nas ações públicas para se alcançar a saúde e a qualidade de vida das populações. A consolidação do Sistema Único de Saúde envolve sérios desafios que demandam compromisso ético-político com o desenvolvimento global do país. As mudanças estruturais nos setores social e econômico e as estratégias a longo prazo, que envolvam a educação, o trabalho, o lazer, a habitação, o acesso aos bens básicos de consumo e a saúde, são essenciais à qualidade de vida e ao alcance da cidadania plena.
A aproximação dos setores públicos com a sociedade civil favorece o diálogo, a análise das necessidades e a definição de prioridades nos diversos campos sociais. Esta prática desenvolvida de modo permanente pode gerar novos valores político-sociais e, especificamente, na área da saúde pode consolidar uma nova concepção sobre o processo saúde-doença e sobre as formas mais eficazes de intervenção e de proteção.
As redes de serviços em saúde
Para estarem alinhadas à nova política nacional de saúde as redes de serviços passaram por uma reorientação quanto aos objetivos, características e alcance das ações.
A política de atenção integral valoriza as ações de atenção básica e indica os programas comunitários como recursos potentes para sua efetivação. Estes serviços têm a característica de romper com o modelo médico tradicional – da demanda espontânea e do foco na doença – e adotar as estratégias do modelo sanitarista que objetiva ir em busca das demandas e dirigir ações aos níveis de promoção e proteção à saúde.
A rede de serviços em atenção básica é composta pelos programas que definem a porta de entrada do usuário ao sistema de saúde e pelos serviços de baixa complexidade, são eles: o Programa Saúde da Família – PSF2 e o Núcleo de Atenção à Saúde da Família – NASF que compõem a política de Estratégia à Saúde da Família e a Unidade Básica de Saúde – UBS. Com ações complementares, esses serviços desenvolvem práticas de educação à saúde, avaliação diagnóstica, cuidado domiciliar, cuidados paliativos e encaminhamentos aos demais serviços.
O contato permanente e direto com as necessidades e com os recursos das famílias e das comunidades gera informações precisas para a adoção de estratégias na área da saúde pública, como também permite a eficácia das intervenções.
As características dessa rede de atenção básica exigem da política de recursos humanos grandes incentivos na formação profissional já que aprincipal técnica de ação é a capacidade de relação e de análise dos níveis de dificuldades e de recursos existentes. Sua marca emblemática é o vínculo com a comunidade, por meio de visitas periódicas e da valorização do acompanhamento, previstos no Programa Federal Humaniza SUS (Ministério da Saúde, 2004), que tem no acolhimento seu principal pilar, destacando a necessidade dos cuidados com os profissionais e com os usuários dos serviços, em todos os níveis de atenção à saúde.
Os serviços especializados também estão organizados em unidades de pequeno porte, distribuídas por regiões, buscando garantir o princípio da descentralização dos serviços. Se a característica da rede de atenção básica é chegar até as populações, no serviço especializado os usuários se dirigem até os serviços, uma vez que a população-alvo é circunstanciada a um tipo de usuário que precisa de um cuidado específico e por vezes intensivo. Destacam-se aqui os Ambulatórios Médicos Especializados que oferecem serviços de média complexidade com recursos tecnológicos de apoio diagnóstico e terapêutico. Os programas especiais de atenção também compõem este quadro e têm forte participação do município, alguns exemplos são: CRIA – Centro de Referência para a Infância e Adolescência, o CRDST/AIDS – Centro de Referência DST/AIDS, NIR – Núcleo de Integração e Reabilitação e URSI – Unidade de Referência em Saúde do Idoso.
Segundo Solla e Chioro (2008) os serviços de média complexidade refletem um dos pontos de estrangulamento do sistema, pois a demanda ainda é condicionada ao padrão de oferta existente, demonstrando baixa capacidade de regulação sobre a oferta e caracterizando-se pela dificuldade de acesso e baixa resolubilidade. Os mesmos autores afirmam que as dificuldades na
atenção ambulatorial estimularam as ofertas para os serviços de alta complexidade, gerando prejuízos aos usuários e elevando os custos do sistema.
A atenção especializada também é composta pela oferta de serviços de alta complexidade, concentrando suas ações nos hospitais. Esta rede está estruturada a partir dos recursos estaduais e planejada a partir das necessidades regionais e densidade populacional. Deve haver integração com a rede de atenção básica, com os serviços de média complexidade e cooperação dos gestores municipais. As avaliações mais recentes (Solla e Chioro, 2008) indicam que esses serviços vêm sendo desenvolvidos, prioritariamente, pelos convênios com a iniciativa privada e com os grandes centros de pesquisas dos hospitais universitários. Neste nível de atenção a descentralização ainda é precária, concentrando serviços nas cidades mais desenvolvidas da região sudeste.
Essas constatações reafirmam a importância de se retomar as formulações doutrinárias do SUS e intensificar as políticas voltadas aos níveis básicos de atenção que investem nas ações de proteção e promoção da saúde, controlando o surgimento das patologias e dos seus agravos. Para isso as três esferas governamentais devem buscar integração e planejamento estratégico, avançando para além de seus interesses particulares.
Rede de atenção à saúde mental
Historicamente a década de 70 marcou um período de grande mobilização e atuação civil que, na área da saúde, culminou na Reforma Sanitária Brasileira, já citada no início deste artigo. Neste mesmo período o Movimento da Luta Antimanicomial e o Movimento dos Trabalhadores em Saúde Mental – MTSM fortaleceram suas ações por intermédio das Conferências de Saúde e dos Congressos dos Trabalhadores denunciando as condições de confinamento e cronificação as quais os internos do sistema psiquiátrico estavam expostos, dentre eles pacientes e presos políticos. Este movimento ganhou expressão internacional com a vinda de importantes nomes da reforma psiquiátrica de diversos países, como: Franco Basaglia, Robert Castel, Erving Goffman e Felix Guattari.
Os dez anos entre 1978 e 1988 foram decisivos para a conquista de uma nova política de atenção à saúde mental. Destaca-se o ano de 1987 em que ocorreu o II Congresso Nacional dos Trabalhadores em Saúde Mental e introduziu o lema “por uma sociedade sem manicômios” e instituiu o dia Nacional da Luta Antimanicomial, definido em 18 de maio. Foi também neste ano que se inaugurou o primeiro Centro de Atenção Psicossocial – Caps da cidade de São Paulo e do país. Em 1989 destaca-se a intervenção no Hospital Anchieta em Santos-SP, denunciado por maus tratos, confinamento e óbitos, realizada por uma equipe multidisciplinar de saúde, seguida por uma grande transformação nos serviços de atendimento, reafirmando a lógica da desconstrução dos manicômios e da criação de uma rede de serviços em pequenas unidades e de portas abertas.
A partir da década de 90 essas experiências se consolidaram, incorporando a filosofia do SUS, diminuindo gradativamente o número de leitos nos hospitais psiquiátricos e se constituindo em Reforma Psiquiátrica por intermédio da Lei 10.216, de abril de 2001, que regulamenta a reinserção social do portador de sofrimento mental (Paula, 2009).
A nova política de atenção à saúde mental reformula o modelo médico psiquiátrico antes existente e define os princípios fundamentais das novas ações:
- a concepção de cidadão e de usuário em saúde, com direitos e deveres, com possibilidade de participação permanente nos processos políticos e nas definições das estratégias terapêuticas utilizadas, incluindo “pacientes” e familiares;
- a instituição de uma rede de serviços que envolve desde a atenção básica, aos projetos sociais e culturais de reinserção, passando pelas unidades de atendimento, que veremos a seguir;
- a constituição das equipes mínimas de saúde mental, integrando e ampliando os saberes para além do poder médico-psiquiátrico, incorporando psicólogos, assistentes sociais, terapeutas ocupacionais, oficineiros e enfermeiros.
Após várias adequações, hoje esta rede é composta por unidades e programas de atendimento, como: o Hospital Geral, o AME – Ambulatório Médico Especializado em Psiquiatria, o CAPS – Centro de Atenção Psicossocial, a Residência Terapêutica, o CECCO – Centro de Convivência e Cooperativismo, a UBS – Unidade Básica de Saúde e a Estratégia Saúde da Família com o PSF – Programa Saúde da Família e o NASF – Núcleo de Atenção à Saúde da Família. Verifica-se uma integração entre a rede geral de serviços, apresentada anteriormente, e a rede específica da saúde mental, reafirmando os princípios da luta antimanicomial e do SUS, de atenção integral, descentraliza e com resolubilidade.
Destaca-se neste complexo o CAPS – Centro de Atenção Psicossocial, por ser um equipamento destinado a atender as pessoas com sofrimento psíquico, de modo intensivo e com várias especialidades: o CAPSi destinado a crianças e adolescentes, o CAPS Adulto e o CAPSAd para os jovens e adultos com problemas ligados ao álcool e outras drogas. Recebe várias classificações – por nível de comprometimento do usuário ou por número de habitantes – mas temos, guardadas algumas diferenças, os CAPS funcionando de segunda à sexta-feira, no período diário integral, com sistema intensivo, semi-intensivo e de acompanhamento. Sempre compostos por equipes interdisciplinares se caracterizam por oferecer uma oferta diversificada de cuidados e de estratégias assistenciais (Amarante, 2008).
O CAPS, portanto, deve ser colocado no centro da rede de atenção à saúde mental e, a partir dele, todos os outros equipamentos de saúde podem ser acionados de acordo com as demandas identificadas nas unidades e nas regiões. O desafio deste serviço é trabalhar de modo intersetorial, realizando ações no território e ampliando seu alcance interventivo às famílias e às comunidades por meio dos recursos de vários setores sociais.
As ações psicossociais em saúde mental caracterizam-se por substituir o modelo asilar, devendo não só desospitalizar, mas trabalhar ativamente em busca da desinstitucionalização dos usuários. Este é o desafio atual da rede de atenção à saúde mental e várias estratégias vêm sendo adotadas para sua efetivação. Pode-se destacar o trabalho das equipes interdisciplinares na adoção de técnicas de acolhimento, definição de projetos terapêuticos individualizados e de profissionais de referência para o acompanhamento permanente dos usuários. Essas estratégias visam à adesão ao tratamento e a co-responsabilidade de usuários e familiares, em direção a conquista da autonomia cidadã, rompendo processos de tutelagem e dependência.
As Residências Terapêuticas, implementadas a partir de 2000 para receber egressos do sistema psiquiátrico asilar, têm um papel fundamental na redução dos leitos hospitalares, nas ações de desinstitucionalização dos sujeitos e na complementariedade de toda a rede. Em suas unidades, exercitam-se as ações da vida cotidiana visando à inclusão social. As análises realizadas por trabalhadores e gestores apresentam dados positivos quanto aos resultados alcançados, mas apontam a necessidade de mais incentivos para a implementação dos serviços, já que estimava-se que apenas 15% da demanda existente havia sido atendida até 2005 (Furtado, 2006).
Considerações Finais
As transformações ocorridas nas políticas públicas voltadas à área da saúde no Brasil, nos últimos trinta anos, demonstram grande avanço filosófico e prático em direção à universalização e democratização dos serviços. As conquistas obtidas com a descentralização e implementação das pequenas unidades de atendimento não podem ser desvalorizadas, como também a adoção das equipes interdisciplinares em saúde, ampliando as estratégias das ações terapêuticas e da circulação de saberes. Ampliou-se significativamente o número de psicólogos, terapeutas ocupacionais, assistentes sociais e enfermeiros na rede de atenção, abrangendo os níveis primários, secundários e terciários de ação.
Avanços significativos foram observados quanto ao acesso aos serviços e à mudança de estratégia em busca da demanda, adotada principalmente nos programas saúde da família. É inquestionável que mais pessoas têm acesso aos serviços de saúde, que as ações oferecidas são mais humanizadas e integradoras e que chegam mais precocemente às famílias.
Contudo, outros desafios se impõem para a consolidação do Sistema Único de Saúde, a começar pelas diferenças regionais e socioeconômicas existentes e pelo fraco poder regulatório do poder público em relação aos gestores das três esferas da União. A regionalização e descentralização dos serviços só se efetivarão completamente quando interesses políticos partidários não mais estiverem à frente daquilo que apontam as análises das necessidades demográficas populacionais.
Outro desafio para a superação dos obstáculos de implementação do SUS refere-se à articulação intersetorial. A área da saúde precisa da ação permanente de outros campos do setor público para atingir a universalização e a resolubilidade nos serviços. As políticas voltadas à urbanização, saneamento, educação, desenvolvimento científico e tecnológico são essenciais à saúde integral do cidadão.
Por fim, vale ressaltar a importância de investimentos no capital humano vinculado ao SUS, tanto no que se refere aos planos de salários, como a capacitação e reorientação profissionais. Os trabalhadores da área da saúde são imprescindíveis para a concretização da Política Nacional de Humanização do SUS e, de acordo com suas indicações, devem receber incentivos para desenvolver ações éticas, com compromisso e implicação.
Os pontos destacados são estratégicos para o desenvolvimento de políticas, programas e serviços no campo da saúde nos próximos anos, considerando a necessidade de aperfeiçoamento e eficiência de um sistema que tem garantido em sua concepção o respeito e a dignidade do cidadão brasileiro.
Referências Bibliográficas
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______ABC do SUS – doutrinas e princípios. Brasília: Ministério da Saúde, 1990.
______Humaniza SUS. Brasília: Ministério da Saúde, 2004.
Furtado, J.P. Avaliação da situação atual dos serviços residenciais terapêuticos no SUS. Rev. Ciência Saúde Coletiva, vol.11, nº3, RJ, 2006.
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