O trauma em tempos de coronavirus

O trauma em tempos de coronavirus 625 747 Zilá Marcia Chamon

O TRAUMA EM TEMPOS DE CORONA VÍRUS

Zilá Marcia Chamon

 

Pintura de Mark Rothko

“Yellow Over Purple” (1956)

Coleção particular

Nestes tempos de isolamento e privação, vale retomarmos o conceito de trauma na teoria psicanalítica. Na verdade, a concepção do que é traumático foi várias vezes reformulada por Freud ao longo de seus estudos teóricos e consiste em um importante conceito aplicado na clínica da contemporaneidade.

Nosso aparelho psíquico  é regido por  leis que regulam seu funcionamento e  possibilitam processar a  energia que circula dentro dele. No entanto, pode ocorrer,  em determinadas situações,  uma invasão excessiva de estímulos em nossa vida psíquica,  causando uma excitação tão intensa que nosso aparato psicológico não consegue  dar  conta; não consegue dar um destino  criativo (saudável ) para toda esta carga energética.  Trauma é, portanto,  esse ‘excesso’  não processado da energia psíquica.

O isolamento imposto  e experienciado  por nós em função da epidemia do corona vírus, somado ao medo da morte que a situação impõe, tem gerado um paradoxo entre privação e excesso. Privação de nossas referências, da rotina que já estava  incorporada, dos contatos presenciais, de uma pseudo segurança que nos dava certa estabilidade emocional. E é justamente esta privação que gera um excesso de excitação psíquica (trauma) produzindo, muitas vezes,  sintomas como ansiedade,depressão, insônia, transtornos alimentares.

Mas também é verdade que muitas pessoas tem experimentado a solitude, ou seja, o bem-estar de ficar só; de poder entrar em contato com sentimentos e sensações que geram novas descobertas  e satisfação pessoal.

Buscar saídas gerais e populares para lidar com as dores geradas por este momento traumático pode ser um equívoco , além de possibilitar o aumento da angustia. Convocar a todos para se exercitar em casa, colocar em dia a leitura, fazer meditação ou participar de ‘lives’ pelas redes sociais, pode ser muito interessante para alguns,  mas não ser algo da ordem do desejo para outros que só se sentirão mais pressionados e culpados por não conseguirem  realizar aquilo que aparentemente todos os demais estão  fazendo com disposição e alegria.

Embora as determinações de saúde pública recomendadas  devam ser seguidas pelo bem comum e da própria sobrevivência, a forma como cada pessoa processa  esta experiência e a saída que encontrará para dar vazão a todo o excesso de energia psíquica que o isolamento e o medo provocam, é singular.

“Nem todos os encontros traumáticos produzem os mesmos efeitos, seja qual for a aparente intensidade do acontecimento. Cada sujeito responde com sua singularidade segundo o momento no qual se produz o encontro, segundo a ressonância que pode ter com sua própria história, mas também segundo a posição que se adota diante dessa experiência única. Ao sujeito também cabe interrogar-se sobre a parte de si mesmo nos efeitos do encontro e se perguntar: “que possibilidades me restam?” (Lucia FuKs “A insistência do traumático”  livro “A clínica conta histórias”).

Buscar  dispositivos de ajuda psíquica com profissionais da área,  estabelecer  atividades para uma  rotina diária de forma singular,  poder cuidar-se e proteger-se sem desenvolver uma ansiedade que caminhe para o pânico  são propostas que possibilitam contribuir para que a travessia  deste momento deixe marcas de uma experiência  mais fortalecedora  e menos traumática.