Não é a idade que determina a ausência do desejo e, muito menos, a ausência ou a presença de relações sexuais, mesmo que estas possam ser inscritas na velhice sob tecidos diferentes daqueles encontrados na adolescência, nos quais computar orgasmos é uma forma usual. A sexualidade do idoso pode encontrar caminhos inéditos nos quais o desejo, que não morre, encontra outras maneiras de inscrição. (MUCIDA, p. 157)
O filme ‘Boa sorte, Leo Grande’ é feito de atuações brilhantes do ator Daryl McCormack como o jovem ‘garoto de programa’ Leo Grande e Emma Thompson, como Nancy, uma mulher sexagenária, conservadora, aposentada, mãe de dois filhos, que depois do falecimento do marido, decide se apropriar da vida sexual, em busca de realizar seus desejos mais íntimos, expondo as inquietações e insatisfações de nunca ter sentido prazer na relação sexual com o companheiro, seu primeiro e único parceiro na vida.
Ao contratar o jovem Leo, um profissional do sexo, para auxiliá-la na descoberta erótica de seu corpo, em toda sua potência, ela traz à tona temas tabus, como a sexualidade, o prazer, a velhice e o desejo feminino nessa fase da vida e, sem perceber, caminha na contramão de uma sociedade machista, conservadora e capitalista, onde a juventude é apenas mais um produto a ser adquirido como possibilidade de ‘escapar’ à incômoda velhice e falibilidade do corpo, que, uma hora ou outra, se anunciará para todos.
Diferentemente da infância e da juventude onde as mudanças corporais se constituem como ritos de passagem e enunciam novas perspectivas de laços sociais, na velhice “a imagem é marcada por diferentes mudanças diante das quais o sujeito só poderá fazer um trabalho de luto; não há como impedir esse processo, e, sobretudo, não existe uma valorização possível dessa imagem pela qual, como na adolescência, o idoso poderia se identificar. A imagem da velhice além de não ser valorizada culturalmente, não traz perspectivas de novas aquisições, pelo contrário, delineiam-se apenas perdas. (Mucida, p.110)
É nesse momento de coragem, quando contrata um profissional do sexo, que Nancy entra em contato com seus receios e dúvidas e constata a descrença de que ainda pudesse se sentir uma mulher desejável, além disso, se vê numa situação em que não sabe ao certo o que fazer para demover os pensamentos de impotência e vergonha que a levam a querer desistir do desafio libidinal em que se meteu.
Como o envelhecimento se processa geralmente de maneira silenciosa, ao contrário da sempre ruidosa adolescência, o sujeito tem na velhice possibilidades de adaptar-se àquilo que se instala por pequenas modificações. Isso não impede, contudo, o surgimento de dificuldades concernentes ao reconhecimento e aceitação da imagem que a velhice impõe. (Mucida, p.111)
Nancy nos emociona quando na relação delicada com Leo, redescobre sua feminilidade, se percebe como uma mulher sensual e compartilha com ele, corajosamente, suas frustrações, decepções e fantasias.
Relata a experiência de um casamento cujo universo sexual sempre foi restrito e empobrecido, imerso em rotinas e mesmices, sem lugar para o diferente, ousado ou desafiador, que levasse em conta seus anseios e expectativas, como se ela estivesse, desde então, aposentada de seus desejos.
Ocorre que ao longo da história, vemos a motivação principal do encontro entre os personagens, avançar para a construção de certa intimidade entre eles, que vai além dos corpos e da sexualidade, enveredando por questões subjetivas, onde cada um expõe sua própria vulnerabilidade, revelando as inseguranças, medos, tristezas e outros afetos que compõem suas histórias, fazendo emergir os sujeitos, as escolhas, os desejos e as diferenças.
O cuidado, o carinho e a escuta atenta que Leo dedica à Nancy, permite que novos caminhos e possibilidades se abram para a realização de seus desejos sexuais, já que nesse momento, ela está mais segura, disposta a se entregar, sem tantas amarras, restrições e auto julgamentos, e com muito mais confiança em si mesma.
O filme revela uma mulher madura, que depois de tanta solidão, está disposta a mudar o rumo da sua vida, se apropriar de seu corpo, reconhecê-lo, gostar de si mesma, exercer com prazer sua sexualidade de modo a reverter uma situação opressiva em que seu prazer não pôde jamais emergir e se realizar.
Nancy se autoriza a falar sobre sua intimidade, com um outro, que embora seja desconhecido, consegue escutá-la sobre seus desejos e fantasias, e, permite que ela se implique e problematize suas experiências sexuais até ali, motivada pela vontade e o direito de experimentar novas formas de prazer completamente novas até então.
O ponto alto na relação entre Nancy e Leo, é a postura dele, como homem jovem, profissional do sexo, que se dispõe a ouvi-la de maneira sensível, generosa, empática e livre de julgamentos, acolhendo as expectativas dessa mulher, com quem sinceramente se compromete a entregar o que ela mais deseja, o prazer de realizar suas fantasias da melhor forma possível, quebrando resistências, preconceitos, repressões e ilusões quanto à vida sexual, construídas por Nancy ao longo da vida.
O exercício da sexualidade é quase sempre vivido em nossa sociedade de consumo, como imperativo de gozo, que afirma uma posição viril, supostamente plena dos sujeitos, que buscam alcançar certa completude (ilusória), sem se dar conta de que toda relação sexual é necessariamente faltosa e incompleta, em qualquer fase da vida, sendo que isso é que faz com que os sujeitos continuem desejando.
Diante do imperativo todos devem gozar, a sexualidade do idoso marca um limite ao gozo pretendido sem fronteiras, desacomodando várias das insígnias da potência fálica. Num discurso regrado pelo desempenho e por demonstrações de conquistas fálicas diversas, nesse mercado aberto a diversas ofertas que prometem o mais de gozar – expondo o ideal de uma sexualidade sem limites -, a sexualidade do idoso demarca um tema tabu. Habitada ainda pelo mesmo silêncio de outrora ou inscrita apenas no campo da pilhéria, da piada, ou por vezes do chiste, a sexualidade do idoso exibe-se apenas como símbolo do que não funciona mais. (Mucida, p.159)
‘Boa sorte, Leo Grande’ é um filme que mesmo sem grandes pretensões, provoca importantes reflexões sobre a sexualidade feminina, sexo, prazer, desejo e erotismo na velhice, a relação entre os personagens mostra que o sujeito desejante não envelhece, e que torna-se imprescindível ir na contramão dos preconceitos sociais, de modo que cada um se autorize a exercer sua sexualidade de maneira prazerosa e criativa.
Sendo assim, nos resta humanizar a própria velhice e daqueles que nos cercam, por meio dos novos encontros, sonhos e projetos, para que ela seja mais uma experiência de vida, com suas agruras e potências, como todas as fases que vivemos até agora!
Referências:
Filme: Boa sorte, Leo Grande. (Reino Unido, 2022). Dur: 1h37min. Comédia/Romance. Direção: Direção: Sophie Hyde. Roteiro Katy Brand. Elenco: Emma Thompson, Daryl McCormack, Isabella Laughland.
Livro: MUCIDA, Ângela. O sujeito não envelhece – psicanálise e velhice. Belo Horizonte: Autêntica, 2022.
Lucy….achei o comentário muito sensível e bem construído. Seu olhar me fez desejar assistir o filme. Obrigada. Um abraço. Zilá