Desamparo, angustia e pânico

Desamparo, angustia e pânico 718 1000 Zilá Marcia Chamon

O homem já nasce na condição de desamparo. Diferentemente dos demais animais, se não for cuidado, amparado por outro ser humano, ele morre. A criança necessita de ajuda para sobreviver e a condição de desamparo se dá pela impossibilidade de defesa diante dos perigos do mundo; das sensações (ainda não nomeadas) de fome, de frio, de dores que vão sendo gradativamente traduzidas à criança pela mãe. Estas sensações causam um sentimento de angustia no bebê que se percebe invadido por um excesso de estímulos de dentro e de fora do aparelho psíquico, mas pode ser diminuído pela continência que a mãe (ou quem faz a função materna) oferece à criança. “O estado particular de passividade e de impotência do aparelho psíquico em dar conta de tal condição é chamado por Freud de situação de desamparo.” (Pereira, 1990).

Há uma diferença entre a condição de desamparo, que diz respeito ao inicio da nossa existência, da nossa constituição psíquica, e um estado de desamparo, que se refere às situações que desencadeiam um quadro de ansiedade como o pânico. O estado de desamparo vivido por alguém em função do excesso de estímulos que o aparelho psíquico não dá conta de elaborar, explica muitos dos sintomas físicos do pânico: sensação de aperto ou dor no peito, formigamento nas mãos, tonturas, taquicardia etc.  Esse excesso de energia transborda para o corpo e é  sentido pela pessoa como  perigo de um colapso psíquico.  Situação de desamparo tem sempre uma estreita relação com a passividade e impotência do aparelho psíquico diante do perigo.

É a partir da prática clínica que Freud vai rever e acrescentar importantes observações conceituais sobre o tema e formula, então, a segunda  teoria da angustia. Escreve “Inibições, Sintomas e Angustia”, em 1926:

“A conclusão a que chegamos, portanto, é esta. A angustia é uma reação a uma situação de perigo. Ela é remediada pelo Ego que faz algo a fim de evitar essa situação ou para afastar-se dela se criam sintomas a fim de evitar uma situação de perigo cuja presença foi assinalada pela geração de angustia” (Freud, 1926).

Sabemos que as perdas, as frustrações e os desencontros que ocorrem em nossas vidas podem  causar muita dor. E as vezes, as pessoas tentam preencher o vazio que o sofrimento  deixa com objetos externos  como compras, abusos químicos ( de medicações, bebidas e outras drogas), trabalho ou  exercícios físicos em excesso, etc. Trata-se de um engano, pois estes objetos podem proporcionar um alivio momentâneo ou uma euforia fugaz mas  é justamente por tentarmos tamponar as faltas, as perdas, as dores, que a angustia se instala. Rapidamente o efeito do ansiolítico acaba, a compra do novo objeto perde o interesse e o trabalho ou os treinos físicos exigem um descanso.

Vamos lembrar que o pânico tem uma relação com o excesso de estímulos, que provém de dentro e de fora do psiquismo. Um aumento da tensão psíquica que encontra, na descarga para o corpo ou na expressão somática, a possibilidade de escoamento, de saída.   

Se o pânico tem relação com uma energia psíquica solta, “um resto” que não se vincula a nenhuma representação, o trabalho do analista é ajudar o paciente a fazer ligações, ou seja, a dar um sentido àquele “não sei o que acontece comigo” que tantas vezes se escuta nos consultórios.  Através das associações de cada elemento, em um trabalho minucioso, fundamental, o paciente, junto com seu analista, consegue realizar uma produção psíquica que permite que a energia solta encontre uma saída pela simbolização. Que as “crises” de ansiedade se traduzam em palavras.  Foi esta uma das grandes descobertas de Freud: ouvir os sintomas e não calá-los, pois o simples tamponamento do sofrimento gera deslocamentos para novos sofrimentos. Os pacientes que se beneficiam da escuta analítica e da técnica da associação livre de idéias constatam a importância deste trabalho.

Imagem de abertura: A Mulher que Chora, pintura de Pablo Picasso.